O álbum em tempos de streaming

Rômulo

Rômulo Candal

Rômulo Candal nos fala sobre a mudança no conceito de “álbum” nos tempos de streaming, e de como os artistas estão, em diferentes frentes, se readaptando a um mercado cada vez mais imaterial e virtual, completamente oposto à solidez do nosso saudoso “bolachão”.
“É um álbum? Tecnicamente, é. Conceitualmente, nem tanto.”
Desde o início da indústria fonográfica, a cultura dos grandes álbuns domina o mercado. Ter sucesso, no mundo da música, significa ter discos de vendagem e fama significativos – a aura que envolve os grandes lançamentos transcende os hits e, por vezes, até os próprios artistas. Os singles são também importantes, é claro, mas especialmente para divulgar os lançamentos, criando o hype para os discos que estão para sair. Depois dessa fase, a função das chamadas “músicas de trabalho” é funcionar como pilares, estabelecendo os LPs de sucesso nas rádios e outros meios de divulgação. Mais do que estourar comercialmente com um ou outro sucesso, lançar um disco sólido, de boa vendagem, é a consagração definitiva do músico ou da banda no mercado.
“Thriller”, do Michael Jackson; “Back in Black”, do AC/DC; e “The Dark Side of The Moon”, do Pink Floyd, são os três álbuns mais vendidos da história da música mundial. Recheados de faixas memoráveis, até hoje os três figuram no pódio das vendas, ainda que o mais recente deles date de 1982. A título de curiosidade, o primeiro disco do século XXI a aparecer na lista figura numa posição distante: trata-se de “21”, da cantora britânica Adele, o 11º colocado.
Dos moonwalks da década de 80 para cá, muita coisa mudou. Muita mesmo. Veio a música digital, com o surgimento do CD – a “qualidade máxima” em música. Os discos de vinil e as fitas K7 foram, aos poucos, desaparecendo do mercado. O mp3, associado à popularização da internet banda-larga, apareceu como o principal vilão da indústria fonográfica, por tornar ainda mais viável a pirataria. Vieram os mp3 players e os smartphones, com capacidade para cada vez mais músicas baixadas ilegalmente. E, mais recentemente, o mundo tenta acompanhar a ascensão do streaming, que se consolida através de serviços como o Spotify e o Tidal, que oferecem discotecas imensas on-demand – ou seja, à distância de uma simples busca.
O mercado vem mudando incessantemente. As vendas de CDs atingiram, em 2016, seu ponto mais baixo desde o surgimento do formato. Por outro lado, numa espécie de retomada saudosista, os discos de vinil cada vez mais voltam a ter importância, alcançando patamares significativos em vendas e valores – no ano passado, por exemplo, Adele faturou mais com as vendas de bolachões do que com as transmissões de seus vídeos pelo YouTube. E o streaming pago passou a ser bastante lucrativo, mostrando evolução a cada novo levantamento.
Mas no meio de tudo isso, qual é a importância dos lançamentos de novos álbuns? Como as novas gerações, altamente conectadas, ressignificam a ideia de consumir uma obra musical completa, com início, meio e fim?
A coisa é cada vez mais difusa, mas aparentemente estamos vivendo uma grande mudança na cultura do álbum. A impressão que fica é a de que novas interpretações vêm sendo desenvolvidas para o conceito de obras musicais. Vemos artistas altamente influentes, com grandes vendas e popularidade, atirando para muitos lados e produzindo obras que vão além do formato engessado do long-play como o conhecemos.
Vamos olhar para alguns exemplos.
Kanye West, um dos mais reconhecidos produtores e MCs de rap da atualidade, lançou em 2016 seu sétimo álbum de estúdio, “The Life of Pablo”. A história toda da criação do disco é doida: Kanye foi altamente transparente com o público durante todo o processo de manufatura. Lançava uma faixa aqui e outra ali, compartilhava nas redes sociais algumas tracklists provisórias, rabiscadas à mão. Anunciava toda vez que alterava o provável título do disco – e foram muitas vezes. Até que, em fevereiro daquele ano, “The Life of Pablo” foi finalmente lançado, com bastante burburinho, críticas positivas e negativas, e uma recepção boa por parte do público. Tudo corria como esperado, mas muito pouco tempo depois, alguns fãs estavam ouvindo o disco e perceberam algo estranho nas músicas. Algumas diferenças em arranjos, trechos alterados… Em resumo: Kanye West estava atualizando o próprio álbum, em tempo real, aos olhos e ouvidos de seu público. Como uma empresa que desenvolve softwares e atualiza seus programas para corrigir bugs, Kanye foi mudando o que julgava ser necessário, e os fãs puderam acompanhar mais uma parte da criação de um álbum que já vinha sendo comercializado.
Outro caminho interessante vem sendo tomado por grandes (e variados) nomes como Frank Ocean, Suede, Nightwish e Beyoncé. Todos esses artistas exploraram um modelo semelhante em alguns de seus recentes lançamentos: um conceito chamado álbum visual. A ideia dessas obras é propor uma interseção entre a música e o audiovisual de uma forma mais aprofundada do que a apresentada nos videoclipes, propondo obras de arte híbridas, para serem consumidas simultaneamente através dos olhos e ouvidos. “Lemonade”, de Beyoncé, parece ter sido a consolidação do formato – foi veiculado na HBO em horário nobre, e se tornou um gigante sucesso de público e crítica.
Outros vários exemplos podem ser dados para comprovar a relevância dos álbuns para os músicos, ainda nos dias de hoje. Em março de 2017, Future – um dos maiores nomes da cena trap rap de Atlanta – soltou dois discos em duas semanas consecutivas. Os álbuns “FUTURE” e “HNDRXX”, gravaram o nome dele na história: virou o primeiro artista a colocar dois álbuns seguidos no topo da parada Billboard 200 em igual número de semanas. Já o canadense Drake, provavelmente o rapper mais famoso do mundo na atualidade, abandonou as nomenclaturas tradicionais e resolveu chamar “More Life”, seu último projeto, de playlist. Drake já deixou transparecer em várias entrevistas que considera a concepção de um álbum uma tarefa frustrante, e nesse trabalho tratou de apenas organizar suas novas composições, como se estivesse só montando uma playlist que apresentasse suas diferentes facetas. É um álbum? Tecnicamente, é. Conceitualmente, nem tanto.
O que fica de toda essa discussão é, efetivamente, a necessidade da busca por novos caminhos. É claro que os álbuns (LPs, discos, álbuns visuais, playlists… chamem como quiserem) continuam sendo importantes, mas o mundo digital alterou – e segue alterando – drasticamente a relação das pessoas com o consumo e a criação de música. Ao mesmo tempo em que mudam os públicos, mudam os artistas, que tentam se adaptar aos novos formatos e buscam meios diferentes de manter seus nomes relevantes dentro um panteão.
O que vem por aí e para onde é que tudo isso vai?
Eis uma boa pergunta.
Durante o processo de criação desse texto, o autor consumiu os seguintes álbuns:
Julie Byrne – “Not Even Happiness”
A Tribe Called Quest – “Midnight Marauders”
Father John Misty – “Pure Comedy”
Zé Ramalho – “Antologia Acústica”
Pink Floyd – “The Dark Side of the Moon”
Caetano Veloso – “Estrangeiro”
[vc_row][vc_column][vc_column_text]Dez vozes para a entrada de um outono. A jornada de um dia através de dez textos cujos autores são exatamente essas pessoas que você ouve, ao mesmo tempo em que somos eu e você.
[/vc_column_text][vc_video link=”https://vimeo.com/213496836″ align=”center”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Filmagens realizadas em abril de 2017 em Curitiba / PR.
Créditos: Vinicius F. Barth – direção, imagens e edição
Participação especial de (em ordem de aparição): Janaina Ravagnani, Christy Najarro Guzmán, Alejandro Jodorowsky, Paulo Eduardo Gonçalves, Letícia Pilger, Natan Schäfer, Gustavo Jugend, Marcelo De Angelis, Julio Cortázar e Ana Ferreira.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
[vc_row][vc_column][vc_column_text]Marlon Anjos comenta O trágico, o sublime e a melancolia, lançamento em dois volumes da Relicário Edições que reúne os artigos produzidos para o 12º. Congresso Internacional de Estética, evento realizado em 2015 na cidade de Belo Horizonte.
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“Todas as privações em geral são grandiosas, porque são todas terríveis: vazio, trevas, solidão e silêncio”.
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]O 12° Congresso Internacional de Estética teve como tema a abordagem multifocal de três conceitos: o Trágico, o Sublime e a Melancolia. O que resultou num conjunto de artigos e palestras selecionados e publicados pela Editora Relicário. O conjunto de palestras e artigos organizados pelas Dras. Verlaine Freitas, Rachel Costa e Debora Pazetto, representa um significativo panorama de reflexões, gerando grande riqueza crítica na tradição dos escritos filosóficos. As possibilidades conectivas entre os três conceitos em relação à filosofia da arte, a natureza, e o sujeito são evidenciadas em vinte e um artigos apresentados no livro. Apenas por esse motivo poderíamos afirmar que o material corresponde ao mérito de significativas contribuições para área de estética, filosofia e arte. No entanto, devido ao teor do conteúdo dos textos, esse material pode servir como aporte no que diz respeito aos três temas propostos.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
O livro apresenta os três conceitos em sessões separadas. Assim sendo, obedecemos essa mesma ordem ao comentar os artigos ali inseridos. Cumpre informar que os comentários obedecem a nossa capacidade interpretativa e reflexiva, não sendo a nossa intenção causar dissabores aos leitores ou aos autores de cada um dos artigos.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

O Trágico

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“[…] Reza a antiga lenda que o rei Midas perseguiu na floresta, durante longo tempo, sem conseguir capturá-lo, o sábio Sileno, o companheiro de Dionísio. Quando, por fim, ele veio a cair em suas mãos, perguntou-lhe o rei qual dentre as coisas era a melhor e a mais preferível para o homem. Obstinado e imóvel, o demônio calava-se; até que, forçado pelo rei, prorrompeu finalmente, por entre um riso amarelo, nestas palavras: – Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”. (NIETZSCHE, 1999, p.36)
[/vc_column_text][vc_column_text]Na primeira parte, a Dra. Virginia de Araujo Figueiredo, professora do departamento de filosofia da UFMG, apresenta em a “Origem do trágico, segundo Schiller”, uma minuciosa revisão do conceito estético de trágico, explorando a perspectiva de vários autores sobre o conceito em questão. Igualmente, a autora introduz o leitor nas diferenças entre a poética da tragédia e a filosofia do trágico. Mesmo que às vezes as interpretações excedam o domínio da estética, as contribuições perpassam os limites da área de aplicação desse mesmo conceito ao apresentar reflexões que interpolam o conceito de trágico relacionando-o a vida, a existência, a liberdade e a história. Nesse ínterim poderíamos dizer que o percurso da autora não se resume a bibliografia sobre a tragédia, nem tão pouco se prende a uma leitura hermética dos conceitos filosóficos.
Segundo a autora, para Schiller, a tragédia e a humanidade estão completamente amarradas. A tragédia como um gênero de destaque justifica seu posto por ser capaz de corporificar a essência humana, dividida entre dois lados: natureza e liberdade. Daí que podemos pensar que o trágico pode ser capaz de apresentar elementos antagonistas, e talvez essa seja uma de suas características principais.
Segundo Figueiredo, Schiller via na tragédia grega a conciliação entre a natureza humana, o ser sensível do homem, e a razão. Tal que, poderíamos dizer que a tragédia é o antídoto a venenos que artificializam o homem e lhe acobertam a natureza, lhe ofuscam os sentidos e embriagam a razão. Antídoto que os gregos antigos souberam formular e dosar ao representar por meio da tragédia a natureza sofredora do homem, e a resistência moral ao sofrimento. Talvez por esse motivo, Schiller insinuou que a arte grega deveria ser imitada pelos modernos.
Luciano Gatti, doutor em filosofia e professor na UNIFESP, em a “Tragédia e peça de aprendizagem: uma encruzilhada no teatro de Heiner Müller”, apresenta de que maneira o teatro de Müller pode ser compreendido como uma contraposição aos elementos do teatro trágico, ou uma dramaturgia não aristotélica, ao aproximar se do teatro épico de Brecht.
Numa possível perspectiva Brechtiana, tendo em vista o conhecimento do processo histórico pelo sujeito, junto à autonomia do indivíduo, elementos característicos das peças do autor, fica evidente a impossibilidade de ser caracterizado como trágica a sua dramaturgia, pois o homem traria em si a capacidade de discernimento ao tornar-se sujeito da própria libertação. Ao contrário de Édipo, por exemplo, aquele que buscou fugir da sua própria ruína, pois tinha conhecimento de seu próprio destino, acaba por ser conduzido à desgraça pelo caminho que acreditava ser a fuga de suas tormentas. O homem atual, na perspectiva brechtiana, apoiado no conhecimento histórico, na empatia e em sua autonomia, poderia evitar o seu destino trágico, pois não é um fruto do destino, mas sim o resultado de suas ações e a consequência dos processos sociais. Contudo, os pressupostos do teatro não trágico podem ser questionados, sem que isso resulte, necessariamente, ao retorno a uma compreensão trágica da história.
A tragédia foi considerada, durante muito tempo, gênero principal do ocidente, e vários autores evidenciam-na como fenômeno da Antiguidade. No entanto, a tese do declínio da tragédia foi contestada em estudos como os de Raymond Willians e Cristoph Menke, como apresentada pelo Dr. Markus Lasch, professor na UNIFESP, em “Algumas considerações preliminares sobre o trágico na obra de Sigmund Freud”. Lasch apresenta a hipótese de que o conceito de tragédia da cultura proposto por Simmel é um ponto de luz que define não apenas os filósofos oitocentistas, mas também Adonor e Freud. Informamos também que o autor revisita o Édipo freudiano através da teoria pulsional.
O trágico pode ser considerado um gênero supremo. No entanto, defini-lo de maneira hermética é não tangenciar o seu significado e seu conteúdo, assim como o voo de Ícaro significa ser engolido pela tragicidade do próprio conceito, da mesma forma que o filho de Dédalo foi engolido pelo mar Egeu. Dessa forma, a conceitualização geral do trágico substituiria a própria tragédia, e assim perderia substância na tentativa em exaltá-lo.
Afirmar o que possa ser o trágico exige algumas digressões, no qual o foco talvez seja o pensamento, e nem tão pouco a bibliografia sobre a tragédia, o que como consequência relaciona arte e filosofia. O Dr. Pedro Duarte, professor na PUC/RJ, em “Dialética, Paradoxo ou Ironia – o que é o trágico”, levanta a hipótese mencionada. Para o autor, Hegel abordou o trágico pela dialética, Hölderlin o fez pelo paradoxo, e Friedrich Schlegel pela ironia, e ambos, conscientes ou não, estavam determinando o que significa pensar. Nesse sentido, o que está em foco é menos as tragédias em si, mas o significado do próprio pensamento. A possibilidade de falar da tragédia e de seus heróis, para além daquilo que a caracterizava, surgiu a partir da filosofia moderna do século XVIII, na qual o homem trágico ganha ênfase, e não somente um personagem trágico. Os antigos personagens da tragédia grega tornaram-se, durante a filosofia moderna, protótipos para pensar na essência trágica dos homens.
Nessa dialeticidade, o Dr. Pedro Süssekind, professor na UFF, analisa a versão da morte de Gonzago, de Willian Shakespeare, que se encontra no terceiro ato, segunda cena, proferida após o famoso solilóquio de Hamlet. Süssekind aponta que a identidade de Hamlet se constrói em múltiplos papéis circunscritos em um papel individual. O que torna Hamlet o ideal da ambiguidade, pois não poderia ser apanhado por qualquer definição restritiva ou monofocal. Dessa forma, a peça que Hamlet dirige encena uma ficção que se espelha na realidade dos fatos ocorrido anteriormente na tragédia. A peça dentro da peça tem uma função decisiva, e, por meio desse reflexo, obriga o criminoso a identificar-se como tal e a reconhecer os seus litígios ao defrontar-se com o seu reflexo cênico.
Süssekind ainda aponta que ao tentarmos definir Hamlet devido às suas qualidades reflexivas, estaríamos apenas definindo a nós mesmos, ou seja, Hamlet espelha apenas o pensamento dos seus intérpretes. E tentar definir tal personagem é apenas olhar para si mesmo. Como se fosse uma constante epígrafe do templo de Delfos. As qualidades reflexivas da personagem Hamlet apresenta uma identidade que se constrói em inúmeros papéis dentro de um mesmo papel, associados a diversas identidades. E nesses espelhamentos a identidade de Hamlet se apresenta indefinida. Demonstrando uma possível corporificação de antagonistas.
Cita-se ainda que em “A tragédia da cultura ao quadrado”, o Dr. Rodrigo Duarte, professor na UFMG, interpola reflexões entre Villem Flusser e Simmel no que diz respeito ao conceito de cultura, na intenção de politizar o conceito de trágico.
O Dr. Bruno Guimarães, professor na UFPO, em “Sobre a idealidade do trágico e a sublimação do lugar comum na ética da psicanálise”, apresenta uma abordagem alternativa do desejo, embasado nas categorias estéticas do seminário de Lacan, bem como se aproxima da ideia de transfiguração contidas nos artigos de Arthur Danto, ao transcorrer sobre uma ética anterior a filosofia do bem.
O Dr. Ulisses Razzante Vaccari, professor na UFSC, em “Sublime e tragédia em Empédocles de Hölderlin”, apresenta de que maneira Hölderlin propõe estabelecer as linhas de forças gerais para uma poética moderna. Bem como apresentar a tragédia como tema moderno por excelência. [/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

O Sublime

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“Todas as privações em geral são grandiosas, porque são todas terríveis: vazio, trevas, solidão e silêncio” (BURKE, 1993. p. 76).
[/vc_column_text][vc_column_text]O Dr. Rodrigo Duarte apresenta a tradução do artigo “Crítica da fantasia moral: Günter Anders e a cegueira moderna ao apocalipse” do professor doutor em filosofia de Staatlichen Hochschule für Gestaltung Karlsruhe, Christian Bauer, que analisa o conceito de sublime em relação aos seres humanos e as máquinas, no qual debruça-se sobre o estado anímico do ser humano na modernidade, que partilha do desespero em detrimento da esperança. O autor apregoa que as filosofias da esperança, tal como no marxismo, encontram-se precarizadas na modernidade pós-guerra. Época que corresponde a uma “ontologia negra”, para usarmos um termo de Günther Anders, pois produz uma abordagem mais semelhante à filosofia de Schopenhauer. Nesse sentido a filosofia deve espalhar a tristeza, deve ser “mal-humorada” quando possível. Pois assim a filosofia da “desgraça” coloca em xeque o sujeito orgulhoso de seu conhecimento, ao impor a ele a dúvida e a reflexão, como por exemplo: “não sobre o que ocorreu ao ser humano no século XX, mas o que foi feito do ser humano no século XX” (BAUER, 2016, p. 120).
Segundo o autor, a tecnocracia pode estar substituindo o juízo de responsabilidade pela atitude de resposta, o que pode ocasionar o “terrível sublime”, para usar uma expressão kantiana, já que o homem poderia, por meio de bombas atômicas e de hidrogênio, acarretar devastações inimagináveis. Nesse sentido, a humanidade não está a salvo da “era do niilismo”, estando presente e obediente à ordem do despejo, devido à aniquilação.
É importante destacar que, para o autor, vivemos numa espécie de sublime tecnológico por meio da cobertura midiática, conciliamos o terror diante da força incontrolável da natureza, dos traumas humanos experimentados com os bombardeios, o que nos causa um fascínio, desde que estejamos na segurança de nossos lares. Corriqueiramente podemos perceber o uso da palavra tragédia fora de seu uso como gênero pelos telejornais, ou outros canais midiáticos. Em meio ao um dilúvio de informações, tal conceito é empregado sem a ação transgressora do herói, mas corporifica ações desmedidas e implacáveis dos deuses metaforizados em catástrofes da natureza ou pela potência de aniquilação por meio da técnica e da ciência. Por fim, apontar a situação como trágica, na perspectiva do autor, seria também um equívoco, pois o “trágico é, no máximo, essa falta do trágico, a saber, a puerilidade da morte” na era do extermínio em massa pelo apertar de botões (hoje: pelo clicar do mouse)” (ANDERS, 1980, p. 406 apud Bauer, 2016, p. 134).
Contudo, o que é o sublime? O que se eleva? O que se sustenta no ar? Um superlativo do conceito do belo? Sentimento de inacessibilidade diante do desmedido? O terror, o medo da morte, a dor e a potência da natureza em aniquilar? Ambientes hostis e misteriosos, que penetram no indivíduo causando a sensação de solidão e pequenez? Poderíamos dizer que ambas são raízes do efeito genuíno e a prova do sublime. Estas constituem, grosso modo, algumas interpretações para o termo, fornecidas pelas obras de teóricos de distintas épocas.
Em “Das sepulturas aos museus: o sublime na morte e na arte”, a Dra. Debora Pazetto Ferreira, professora na UFMG, retoma a perspectiva de Burke sobre o sublime, a de que o sublime é a emoção mais intensa que o espírito humano pode experimentar. O terror, o medo da morte, o êxtase diante da vastidão e do poder aniquilador da natureza corporificam essa experiência, sendo canais de conectividades da mesma. Menciona ainda que pode ser compreendido como uma antítese do prazer provocado pelo belo, podendo ser um fenômeno sombrio, obscuro e ameaçador. A autora afirma que tudo que provoca terror é fonte do sublime; no entanto, a equidistância segura do terror é característica necessária para experienciar tal sensação, ou seja, experimentar a sensação de aniquilamento em segurança é um critério necessário para fruir a experiência de sublime.
A autora ainda analisa “Arte e disturbação”, texto do crítico e filósofo Arthur Danto, em que parece apresentar que algumas obras contemporâneas reivindicam um retorno às origens da obra de arte. A autora comenta que em muitas obras de arte contemporânea, os artistas trabalharam diretamente com a morte, tal que, de certa forma, alcançam o conceito de sublime apregoado por Burke.
A “Segurança do Sublime”, artigo do Dr. Vladimir Vieira, professor na UFF, apresenta a contraposição do pensamento sobre o sublime conceituado por três filósofos: Immanuel Kant, Edmund Burke e Friedrich Schiller. No texto, o autor entrecruza relações ao apresentar três concepções acerca da segurança, elemento fundamental para a experiência do sublime.
Na tentativa em ampliar a experiência estética, a discussão sobre o sublime encontrou vários representantes. A Dra. Rachel Costa, atualmente professora na UEMG e UFMG, em “A sublime imaterialidade na arte contemporânea”, apresenta uma outra proposta sobre a aplicação do conceito às artes: o sublime como conceituado por Burke não se aplica às artes visuais devido à falta de obscuridade. No entanto, “a arte perturbativa trabalha com a incerteza, manipula a obscuridade e não pressupõe representação” (COSTA, 2016, p.161). Desta forma, a autora cita como exemplo a obra ritmo 0 da artista sérvia Marina Abramovic, igualmente a algumas obras de arte que possuem como desígnio dar realidade para aquilo que amedronta, que confunde, que é obscurecido ou desconhecido. Tal que a arte perturbativa busca uma relação diferenciada entre espectador e obra, e dessa forma traz à tona o sentimento de sublime.
A Dra. Verlaine Freitas, professora da UFMG, em “O novo, o absurdo e o sublime”, apresenta de que maneira o inventivo experimentalismo da arte moderna, opondo-se às amarras da tradição, apresenta o novo, não como o renovado, mas como a corporificação o absurdo. Dessa forma, o conceito de novo torna-se arrebatador e o sublime ganha uma outra roupagem: a de desconhecido. Temos que ter em mente que uma das características do fim do século XIX foi em legitimar o novo e não, necessariamente, em criá-lo.
A Dra. Rachel Costa apresenta a tradução do artigo “Ressonâncias do sublime Kantiano na Coluna Infinita de C. Brancusi e G. Ligeti”, escrito pela Dra. Inés A. Buchar, professora na UBA-ARG, em que analisa a experiência da infinitude, relacionada à concepção kantiana do conceito de sublime matemático, na capacidade em que as duas obras possuem em expressar o sentimento de infinito. Como exemplo dessa tangenciação cita-se o fato de que as obras carecerem de limites, e dessa forma integram-se ao conceito de sublime kantiano.
Por sua vez, a Dra. Martha D’ Angelo, professora na UFF, em “O Sublime e as incertezas do mundo da arte”, afirma que Kant não desenvolveu uma teoria do sublime nas artes. “Os sentimentos de terror e medo despertados pela natureza nada têm de sublime em si mesmo” (ANGELO, 2016, p.184). Nesse sentido, descobrimos a natureza como sublime por despertar em nosso espírito a sua grandiosidade e a possibilidade de nosso aniquilamento. O sublime não está no objeto, mas no sujeito que julga, ou seja, o sublime pode ser experienciado pelo indivíduo, mas não está contido em nenhum objeto. Cumpre informar que a questão que guia o artigo da autora encontra-se na tese de Adorno na Teoria Estética, “a respeito da transferência da experiência do sublime da natureza para arte” (Idem, p.181).
Cita-se ainda que a Dra. Cíntia Vieira da Silva, professora na UFOP, em “Sublime e gênese do pensar: Deleuze leitor de Kant”, analisa a apropriação de Deleuze de pensadores não racionalistas, tais como: Espinosa, Hume e Nietzsche. E apresenta que Kant não apenas não está na lista de autores, mas Deleuze se contrapõe ao racionalismo que Kant alinha-se. No entanto, se Kant é um inimigo para Deleuze, é daqueles com quem ele aprende e a quem ele deve bastante. Um dos componentes dessa dívida é o conceito de sublime que percorre toda a filosofia de Deleuze. No entanto numa perspectiva diferente, não como a experiência da falência, mas como a gênese do pensar.
Por fim, a Dra. Carla Milani Damião, professora na (FAFIL-UFG), em “O sublime revistado sob a perspectiva feminista”, apresenta a recorrência em teorias que afirmam que o belo é associado ao feminino, e o sublime e o intelecto ao masculino, numa intenção de estabelecer o homem como um ser que deve ser intelectualmente temível. Neste sentido, a autora revisita o conceito de sublime e de belo sob uma ótica feminista, apresentando a distinção de gênero intrínseca à estética oitocentista.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

Melancolia

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A maior sabedoria é ter o presente como objeto maior da vida, pois ele é a única realidade, tudo o mais é imaginação. Mas poderíamos também considerar isso nossa maior maluquice, pois aquilo que existe só por um instante e some como sonho não merece um esforço sério. (SCHOPENHAUER apud YALOM, 2005, p.129)
[/vc_column_text][vc_column_text]A Dra. Debora Pazetto, apresenta a tradução do artigo “filosofia é, na verdade, saudade (Heimweh)”, da Dra. Jeanne Marie Gagnebin, professora na PUC/SP, em que é apresentada a melancolia por meio da própria experiência de exílio da autora. O percurso do artigo inicia-se exaltando a odisseia de Homero, um poema que apresenta o retorno de Ulisses para Ítaca, no qual seu desejo de retorno se mistura à perdição pelos mares e por terras desconhecidas. Na sequência, a autora aborda as questões de elo entre o país natal, a língua materna e a infância, bem como o atravessamento da filosofia por inúmeras relações de enraizamento no que diz respeito à pátria e à terra natal. Abordagens semânticas são constantes no artigo, as palavras Heimweh (saudades da pátria) e Heimat (terra natal) interpolam com as palavras: nostalgia e saudade, na intenção de definir um conceito de melancolia aliada à espacialidade da terra natal e às fronteiras geradas pela língua materna. Por fim, a autora apresenta a tradução de um pequeno trecho de Walter Benjamin, contrapondo antídotos contra a melancolia e a solidão.
Myriam Ávila e Rodrigo Duarte apresentam a tradução do artigo “A superação da melancolia no espírito da música ou perspectivas da estética pós-moderna hoje. Um arrazoado”, de autoria da Dra. Susanne Kogler, professora na Karl-Franzens-Universität de Graz. É apresentado um panorama histórico da melancolia no século XVIII e XIX, relacionando a melancolia a posições filosóficas e artísticas. Segundo a autora, a música, desde o século XIX, é tida como a mais romântica das artes, e a música do século XX se refere, em grande medida, à música do século XIX. Na esteira da questão sobre a melancolia em relação à música, a autora destaca dois aspectos: o reflexo e a importância para a filosofia da arte do século XX e a sua reverberação no século XXI, assim como o significado e a necessidade de uma estética crítica na atualidade.
O Dr. Carlos Cézar Mascarenhas de Souza, professor na UFS, em “Amódio, e a melancolia em Lars von Trier”, apresenta o neologismo lacaniano que indica a embaraçada relação de amor e ódio, na intenção de analisar a personagem euripidiana Medeia. Seu artigo opera na relação paradoxal em que passa a personagem, em que se ilustra uma conjunção estreita de sentimentos opostos. A personagem que subjuga o amor pela paixão, diante da dor da perda do objeto amado, é objeto de uma análise comparativa entre a cinematografia de Lars e o poema trágico de Eurípedes. Neste sentido, poderíamos afirmar que o autor une cinema, psicanálise e filosofia.
Por fim, em “Ao redor de um objeto instável: escultura contemporânea e a reverberação de uma melancolia” a Dra. Cláudia Maria França da Silva, professora na UFU, analisa a conduta criadora do artista em seu processo de criação, no qual a melancolia parece fruir da obra do autor e nos permite experienciá-la igualmente, por ser participativa no processo criativo do artista.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”♦♦♦”][vc_column_text]Referências:
BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do sublime e do belo. Tradução de Enid Abreu Dobránszky. São Paulo: Papirus, 1993.
FREITAS, Verlaine. Costa, Rachel. PAZETTO, Debora. ORGS. O trágico, o sublime e a melancolia. Volume 1. Belo Horizonte, MG: Relicário Edições, 2016.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia: ou Helenismo e Pessimismo. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
YALOM, Irvin D. A Cura em Schopenhauer. Tradução de Beatriz Horta. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
[vc_row][vc_column][vc_column_text]
Imagem: Paolo Scheggi – Traccia movimento
[/vc_column_text][vc_column_text]Uma coluna para ser assistida. Recomenda-se um assento confortável, um bom equipamento, uma bebida, um petisco, e breves doses de falta de discernimento e um pouco de mistério. Por Vinicius F. Barth.
[/vc_column_text][vc_column_text]
“Entre seus dedos as teclas são requebradas furiosamente em velocidade mach-3 ultra muito sônico, mas as hastes de cada letra levantam-se em super slow-motion, visual especialmente bonito quando visto em HD.”
[/vc_column_text][vc_empty_space height=”52px”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]
Essa coluna deve ser assistida no formato 16:9, em 720p ou 1080p, colorido, 30fps, som estéreo, obviamente.
Os personagens mais interessantes, para mim, são estáticos quando vistos de fora, mas carregados, por dentro, de uma paixão avassaladora.
Andrei Tarkovsky
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]

Três rubricas de ações possíveis para cena:

[/vc_column_text][vc_column_text]1. [Som ambiente. Movimento, falas, negócios, business coaching enterprise. Um jornal ambientado romanticamente no tempo das máquinas de escrever. Um homem de traços orientais {o público desconfia ser chinês} trabalha ali. Ele está no centro do cenário, que não está claramente delimitado pela tela que imaginamos para a cena. Um colunista diário, um bravo jornalista de assuntos corriqueiros. Poderia ser de resenhas literárias, horóscopos, universo musical da cena local, ou o raio que o parta. Tip. Apaixonou-se pela futura esposa no último março. Já em julho teve uma ideia: a de codificar secreta e solitariamente uma carta para ela no meio de suas mágicas colunas corriqueiras, tal intempérie digna de gênio, diríamos. Tip. {A cena fecha-se lentamente sobre o hemisfério direito do seu cérebro, perto da nuca.} A ideia brotou e floresceu quando seus fones de ouvido transmitiam Harder, better, faster, stronger, de Daft Punk {play} via rádio AM na hora do almoço de uma segunda-feira nublada. Iniciou a nova coluna às 13h32, digitando duplamente a letra ‘V’, a capital, no início do texto. Ato simbólico. Seria o início do código, uma nova era em sua rotina abominável de teclados pouco transcendentes. Tip tip. Escreveria uma carta através de cada letra inicial, gloriosamente capital, de suas colunas. Cada coluna, uma letra. Sempre a Capital-capitular. Certamente sua amada entenderia. “VAMOS JANTAR NO FRATELLO’S DIVINE”. Levaria semanas, mas valeria a pena, é o melhor restaurante da cidade. Até lá dá pra guardar dinheiro. Tip. Entre seus dedos as teclas são requebradas furiosamente em velocidade mach-3 ultra muito sônico, mas as hastes de cada letra levantam-se em super slow-motion, visual especialmente bonito quando visto em HD. Como estão polidas e recém-limpadas com espanador de penas de aves do paraíso, as hastes reluzem os raios de sol do fim de tarde, que entram pelas frestas da persiana e se refletem em direção à tela. Apenas a Capital importa nesse texto e nesse papel, o resto continua sendo bobagem. O radinho de pilha da faxineira que varre ao lado toca Hung up, de Madonna {play}. Tip. No dia em que finalmente alcança o “R”, o plano vai por água abaixo. Sua amada o espera na entrada do edifício e o convida para almoçar no ‘Ói que beleza! – gastronomia responsável’. A cena fecha-se de maneira irônica e gloriosa sobre as mãos do casal, que estão unidas sobre um pratinho que contém duas empadinhas de berinjela. Tip tip.][/vc_column_text][vc_text_separator title=”♦♦♦”][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]2. [Silêncio. Abrem-se as cortinas. Um jovem filólogo oriundo da Universidade de Salamanca passeia pelo bairro das Mercês segurando um taco de beisebol. Anda por algumas quadras até encontrar um carro de cor indeterminada com alguns adesivos indeterminados na traseira. Sabemos que nos intervalos do seu trabalho de pesquisa, o jovem ocupa um cargo de hitman, um capanga, um notável mercenário, para o salafrário Mervin, o embusteiro que frequenta o bar do Pau para realizar negócios ilícitos e pegajosos via celular pré-pago. O jovem filólogo para, encarando a traseira do carro, certificando-se de que é o alvo transmitido via whatsapp pelo embusteiro Mervin. Liga o som do celular e em seus ouvidos soa Can’t get you out of my head, de Kylie Minogue {play}. Passa então a se mexer em câmera lenta, com graça, gira com o taco na mão como uma bailarina metaforicamente bélica, dublando ao mesmo tempo a música que toca em sua mente. Arrebenta completamente o veículo, que tornou-se definitivamente preto. Os estilhaços voam para todos os lados, voam em direção à tela, todos em HD, infinitamente belos e passando em câmera lenta enquanto a bailarina bélica desmonta parte a parte o corpo sombrio do automóvel. Os raios de sol repicam nas fagulhas de vidro. A faixa se repete duas vezes. A ópera do estilhaço e da ruína segue sem nenhuma interrupção, numa execução impecável e comovente. BIS. No fim ele se senta no meio-fio ao lado, acende um cigarro. Um facho de luz branca desce sobre ele, mas não pode ser visto porque é um dia de sol. No modo random, sua playlist cai deliciosamente em Revenge, de Patti Smith {play}. Ele se dá conta, enfim, de que conhece o veículo. Não sabe os motivos pelos quais o embusteiro Mervin encomendou tal serviço. Pode-se ver toscamente um dos adesivos na traseira estuprada da máquina; não se pode distinguir se é de uma banda, talvez dos Beatles ou dos Bee Gees {afinal, pode-se ler apenas BEÆ}. As cortinas do palco, que de algum modo estão colocadas ao seu redor no meio da rua, fecham-se o mais lentamente possível, mas sem ser em slow-motion. A cena voltou a se passar em velocidade natural, embora esse “natural” seja completamente contestável.][/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”♦♦♦”][vc_column_text]3. [A cena se abre quando eu abro os olhos. Faço isso numa velocidade média. Estou na beira da calçada, prestes a atravessar a avenida. Garoa pesadamente. Um homem de terno preto e valise na mão se aproxima da calçada oposta para atravessar a mesma esquina. Toda a cena é vista em primeira pessoa. Um close em seus olhos. Em meus fones de ouvido ouço Creep, dos Stone Temple Pilots {play}. O asfalto molhado reflete as luzes vermelhas do semáforo. O homem me julga imediatamente, tomando-me por um inconsequente juvenil. Fala-me, pelos olhos, a respeito de sua carreira, ressalta o valor do terno com um leve movimento de cabeça; sua valise, que gira poucos centímetros ao redor do eixo do pulso, contém os segredos e os atalhos para milhares de vinténs. A garoa cada vez mais pesada cai cada vez mais devagar, até alcançar uma velocidade ultra slow-motion, de modo a poder-se caminhar por entre as gotas, que refletem em milhões de pontos luminosos aquele vermelho do semáforo, que persiste em resistir. De súbito, tornam-se verdes. Eu e o homem caminhamos em direções opostas. A cena, nesse momento, é vista de cima, e encaramos a faixa de pedestres encharcada e pisoteada por dois corpos de vestes escuras que se aproximam. Tudo passa a ser, por alguns minutos, em câmera lenta. Quando estamos a menos de um metro de distância, nossa cena volta para a primeira pessoa. Abro os olhos molhados e ele está ali. Quando estamos prestes a nos cruzar, seu semblante se altera quase que imperceptivelmente. O homem me inveja. Me conta com os olhos, sem muitos detalhes, a respeito de sua esposa, que partiu, e da amargura violenta de seu sócio, corrupto, e de seu filho, e da epiphone les paul lp100 que foi vendida há muitos anos. O homem me inveja comoventemente enquanto estamos envoltos por milhões de vagalumes verdes que caem lentamente para a morte certa no asfalto, quando se juntarão a um grande e único corpo que escorrerá para o ralo do mundo. Ele inveja a minha inconsequente juventude e a minha pobreza, e chora em velocidade natural, o que se distingue claramente dos lentos vagalumes verdes que são belíssimos quando vistos em HD numa tela grande. Nos ultrapassamos enfim. Meus fones tocam Corduroy, do Pearl Jam {play}. Fecho meus olhos num lento fade-out sem enxergar a calçada oposta. Fim da cena.][/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]
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Posted Jun 26, 2025

Um ensaio sobre a mudança no conceito de “álbum” nos tempos de streaming e um mercado cada vez mais virtual, oposto à solidez do nosso saudoso “bolachão”.

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Timeline

Dec 31, 2014 - Dec 30, 2015