Translation of the first chapter from the book Bad Parts.

João Cruz

Proofreader
Translator
Microsoft Word
Runway AI
Bad Parts - Capítulo 1
Os olhos de Mac se abriram. Seu consciente se desesperou para localizar a fonte daquela dor excruciante. Ele a encontrou em suas costas. Milhões de agulhas perfurando seus rins, cada picada o relembrando da força sobrenatural que ele evitara por décadas. Mesmo que aquela dor fosse insuportável, ela se tornava calorosa se comparada com a coceira severa que sentia em sua cabeça. Uma coceira que se intensificava a cada segundo. Se ele pudesse adentrar seu crânio, ele iria coçar seu próprio cérebro até a morte naquele momento.
Foi quando ele percebeu.
Suas partes trocadas estão zunindo. Isso significa que ele não estava mais em Hollow Hills.
Se convenceu ainda mais ao escutar o ronco de um motor. Ele levantou sua cabeça suada do banco de trás e distinguiu a escura silhueta de um motorista. Alguém estava os levando para fora da cidade. No seu próprio Toyota.
Sua boca se tornou pálida. Suor caía de sua testa. Tentou erguer a mão para limpar a umidade, mas percebeu, com horror, que não conseguia movê-las. Elas estavam amarradas em suas costas. Ele tentou se mexer, lutando contra o cinto de segurança que o apertava tão firmemente que seus movimentos eram inúteis.
“O que está acontecendo comigo?”
Sua última lembrança era de ter tirado o lixo de sua cozinha. Depois, perguntara à sua filha Jenn se ela viria visita-lo para a ação de graças. Jenn não o visitava há cinco anos, desde seu décimo sétimo aniversário. Mas ele queria acreditar. Agora, no entanto, ele só podia esperar sobreviver àquela situação irreal, qualquer que fosse a razão por trás dela.
Ele tentou afrouxar o cinto com suas mãos amarradas.
“Pare”, o silencioso motorista finalmente se manifestou, com uma voz preocupada.
O carro deslizou pela estrada. Postes tremeluzindo através das janelas, neve derretia e escorria pelo vidro. O ar se tornou pesado, difícil de respirar.
“Por favor, não faça isso!” Mac gritou.
Ele sentiu o carro desacelerar. O motorista parecia nervoso. Hesitante.
“Por favor! Sou apenas um velho senhor!” Mac avistou uma placa de despedida de Dickson City pelo vidro dianteiro. Aquilo significava que ele estava se aproximando do limite de dez milhas. “Eu tenho esposa, uma filha, netos-aaaaaah!”
O zunido de suas costas agora queimava.
“Escute” ele disse, ofegante. “Meus rins, eles-“
“Eu sei sobre seus rins. Agora cale-se”
O motorista sabia. Deus. Talvez aquela figura desejava os rins de Mac para si. O demônio do rio em Hollow Hills trabalhava como uma bibliotecária- emprestava apenas uma de cada parte do corpo. Mac já tinha pego emprestado os rins e o hipocampo, o escasso banco de memória de seu cérebro. Ele ficaria com eles até que uma de duas coisas acontecessem – morrer ou deixar a área.
Esta última opção parecia se tornar mais inevitável a cada segundo.
Ele tinha que impedir aquilo. Ligar para a polícia.
Seu ombro protestando, ele posicionou suas mãos amarradas a frente de seu bolso e o cutucou com dois dedos. Ele o agarrou. Apesar de não enxergar os números, ele sabia que se pressionasse o botão de chamada rápida iria discar sua última ligação- iria ligar para Jenn.
Com o polegar, apertou o botão duas vezes. Escutou o baixo tom de discagem.
Anda logo, anda logo...
Algum buraco na estrada balançou o carro e o telefone escapou de seus dedos. Não! Caiu atrás dele. Enquanto lutava contra suas amarras, seus rins arderam como se fossem fitos de aço derretido. Ele cerrou os dentes, resmungando.
Sons estáticos chiavam atrás, enquanto sua música de chamada começou a tocar. “Break on through”, de The Doors. O baixo iniciou a melodia e não muito tempo depois Jim Morrinson cantarolava sobre dia e noite. Jenn parecia ter atendido sua chamada. Agora ele apenas precisava responde-la. “Não se mexa”, o motorista disse. “Não responda esse telefone.”
Mac se esgueirou, procurando pela voz de Morrinson. Seus dedos alcançaram a capa. Quase conseguiu segurar, mas o carro virou bruscamente. O telefone deslizou pelo banco de trás, chocou-se com a porta e caiu no carpete.
Fora de alcance.
Não. Por favor não.
Mac pensou sobre os últimos vinte anos e o tão pouco que tinha feito com eles. Ele havia negociado seus rins para que pudesse deixar a diálise e aproveitar sua vida. Ao invés disso, se tornou refém da cidade e viu toda sua família o deixar. Recentemente, quando sofria de Alzheimer, negociou seu hipocampo para preservar suas memórias.
Seu cérebro fervia agora, como se brasas fossem despejadas pelo seu canal auditivo. As memórias já estavam desaparecendo. Ele tentou recordar seu décimo sétimo aniversário, mas as lembranças se esvaiam como fumaça e uma janela aberta.
Desesperado, tentou cavar mais fundo em suas memórias visões de seu aniversário. Lembrou da mesa de piquenique onde serviram seu bolo vermelho e aveludado. Lembrou de sua esposa, sua filha, os garfos plásticos que espetava uns aos outros em divertidos momentos. Lembrou do riso em seu rosto. Do cheiro herbáceo de seus shampoos. O sorriso no rosto delas.
Ele lembrava.
Mas, depois, começou a se esquecer.
Seus rostos se embaçaram. Depois sumiram.
Mas ele ainda via Jenn. Lembrou de abraça-la antes que ela fosse embora. Embrou de-
Jenn!
Seu riso retornou. Seus dentes, suas covinhas e seu rosto. Ele se apegou a isso, tentando visualizar o que faltava. Seu cabelo reapareceu, um rabo de cavalo castanho. Ela parecia com... nada.
Seu cabelo desfocou. E depois seus olhos. Depois seu sorriso.
Acabou. Não havia mais Jenn.
O motor roncou, acelerando em direção a área delimitada. Ardor engoliu seus rins, depois seu cérebro. Chamas queimavam sua mente como um livro em uma fogueira, incinerando memórias, momentos, as razões.
Ele perdeu tudo e atravessou para o outro lado.
Partner With João
View Services

More Projects by João